Nem mais nem menos
Arapongas de penas investigaram, souberam e deram com a língua no bico, segredaram aos meus ouvidos moucos que uma trama urdida pela queda do bem anterior vencida pelo mal posterior estava em marcha numa cabeça debaixo de dois chifres. Viria isto abalar os alicerces do jardim onde o Primeiro Casal desfrutava de uma vida de sombra e água fresca – não façamos comparações. Uma maquinação do tinhoso que por ter tido suas luzes desligadas peremptoriamente quando tentou assumir o poder ainda Lúcifer - anjo de luz- o levara a procurar pelo Mr. M. O mágico o transformou numa serpente.
O diabo do bicho rastejante, indecoroso, com uma pasta Vuitton que carregava no lombo, porque como serpente, mãos e pés não tendo, deu uma de camelô para oferecer toda sorte de bugigangas possíveis à Eva, como colares, pulseiras, brincos, baton, rímel, relógios, piercings e etc. Achou de incutir-lhe um pecado, a vaidade. Começaria ali a tentação de futuro promissor. O diabo já vestia Prada. Da maleta estendeu uma toalha feita de uma flor de vitória régia, num cochilo, ecologicamente correto e sobre ela espalhou a mercadoria adquirida nas lojas da Saara, no Rio. Pôs-se à beira de uma trilha e sob a sombra de uma árvore cujas folhas abrigavam uma biblioteca de tamanho inimaginável, maior do que a do Congresso Americano. No tronco as palavras esculpidas, Árvore do Saber e mais em baixo entre parênteses, em língua estranha: (do Bem e do Mal). E abaixo em vermelho petralha: P.S. “o Bem a depender de verbas de governo”.
A cobra, velha de guerra, mostrou impressionante lábia de um estágio de camelotagem feita com o Silvio Santos. Do alto do seu MBA viu na curva da trilha apontar os caminhantes; mancava ainda Eva, o que levou o ofídio a cantar,
"Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça, É ela menina que vem e que passa, Num doce balanço a caminho do mar, Moça do corpo dourado do sol de Ipanema,”
Eva riu, olhou a barriga - os peitos empinados atrapalharam um pouco- viu tudo brancacento e fez seu primeiro muxoxo - -ta doida ela!, no que a serpente não se deu por achada e respondeu dançando várias vezes a dança do ventre - fez o que pode e magrela, sem cintura, bunda e peitos, nem as cobras que passavam ou se balançavam nas árvores deram-lhe a mínima atenção. Bocejavam. O ofídio viu que como cobra teria que lutar muito para ser objeto de consumo, salvo por que iria emprestar seu nome a um outro tipo no mundo do futuro.
Mostrou-lhe a serpente uma loção para bronzear, Eva virou a cara, não iria beber aquilo! Um relógio, disse-lhe que tinha todo o tempo do mundo. Um maiô Catalina: -Não preciso de cobertor. Uma bolsa Vuitton: -Meu canguru carrega minhas pedrinhas coloridas, conchinhas, flores, penas de passarinho, frutinhas e etc. Sobre pincéis, esponjas, bases e pós, batons disse que não desejava ser artista plástica. Um salto Luis XV, não queria viver nas alturas. Uma calcinha. Achou que era máscara cirúrgica. Um espelho. Disse: oi, miga!
A cobra coçou uma orelha, respirou fundo e ofereceu-lhe ser capa da Playboy, respondeu: Adão e eu somos analfabetos sem pai nem mãe, pelados já andamos, tem graça nenhuma, a não ser que ele de terno e eu com um tubinho lancemos moda new look no Fashion Rio. Disse-lhe a serpente: -Veja, a cor de seus cabelos são pretos como as asas da graúna, um pássaro brasileiro que vai ser imortalizado por Henfil, se continuar assim as piadas no futuro não serão com as louras.
Advertida, a desamparada Eva olhou pros lados, para cima da árvore procurando o companheiro. Ele não era um chimpanzé. Estava semi-sentado, recostado no tronco da árvore do Saber, dormia a sono solto, tão solto que voava pelas pradarias muito além da mata. A serpente ao ouvir seu primeiro ronco, sinal de anestesia profunda, estremeceu e deu um largo sorriso mostrando seus dentes brancos sem jaça. -Querida amiga, pelas respostas que você me deu acho que uma coisa é certa, vc não irá muito longe na sua carreira, não falo de corrida, falo de subir na vida, não falo de escada falo de progresso...
Eva enjoada, acha que tem falo demais e exige um basta. -Tudo bem, desculpa, você precisa dominar todas as coisas, passar no ENEM, aprender a dar ordens, saber botar a mão na cintura enquanto bate o pé e rodar a baiana, não levar desaforo para casa, não se submeter a outra mulher, deixar que Adão pense que ele está sempre levando vantagem, saber sempre que o filho que carrega na barriga é dele e se não, deixar pensar que seja, ou ele te mata. –O que é mata? Filho na barriga, o que é isto? -Bem deixa para lá. –Deixa pra lá... será que deixo? –Não deixo, fala o que é! -Não adianta te explicar, não chegou a hora. –Quem? O quem é hora? É de comer? -Você só pensa em comer... É muito curiosa... quer saber? -Quero. -Só tem um jeito flor do dia. Você é tão doce... –É, sou uma flor ou um doce ou os dois?
-Humm, veja isto, sinta o doce aroma desta fruta... ela é da arvore do saber e como gosta de perguntar, quer saber todas as coisas, lhe digo, coma-a e partir da sua ingestão vai ter respostas para todas as suas indagações. Eva pegou, comeu-a e tomou outra.
-Adão, xiiii, ele acordou, pssiiiuu... dê-lhe menos para que ele esteja sempre sob seu domínio. A serpente se escondeu por entre a folhagem e foi se arrastando de fininho e sumiu. Olhos grandes, narinas dilatadas, salivando, esfomeado, Adão vê o vermelho apetitoso, sente o odor da fruta na mão de Eva. -Mim com fome, mim que comer isto aí, me dá! –Calma Adão! Calmadão nada, quero comer! Me dá! –Ô enjoado, quando quer quer mesmo! Pega aí! –Me dá! E o mancebo deu uma bocada caprichada e engoliu um pedaço, dois, três... Arghh! –Que foi Adão? -Estou entalado!